A estocada.
Um corpo entregue e relaxado, quase inerte, que agora, eu sei, sente apenas o que importa, o tesão o domina totalmente, não há nenhum espaço em sua mente desocupado do prazer, alheio ao tesão, fi-lo chegar ao ponto ideal, momento de entrega total, agora é minha vez, faze-lo gozar no cu, movimentos alternados, rápidos de entra e sai, tiro o caralho, vejo o cu que se movimenta livre, vida própria, um outro cérebro o comanda, há mais cérebros do que pensa a nossa vã fisiologia a nossa refinada psicologia e a nossa amada psiquiatria, há mais loucas do que imaginam os nossos sábios doutores, incapazes de, como atores, navegar por mares tempestuosos, preferindo os remansos das tempestades alheias, os segredos dos outros, os silêncios sinistros de si mesmos, as sombras em que vivem nas academias, seus desejos que reprimem e que descortinam nos outros, punhetas e masturbadas transformadas e transtornadas em teses e ideias quando são, na verdade, como o que faço agora, simples atos mentais, simples satisfações primais, necessárias à minha vida tanto quanto o ar que respiro, e por isso eu meto, vou faze-lo gozar, ajuste feito, montada realizada desfiro a violenta estocada, precisa, a primeira, solto os palavrões necessários, excito o outro e a mim com tais impropérios, exclamo e proclamo minha macheza insuspeitada, de elegante em macho portento me transformo, sinto meus músculos em ação, sinto o meu corpo trabalhando, mecânica que se transmite sem comando, gestos que se exercem por instinto, a segunda estocada, a terceira, a quarta e assim segue, não mais as retiradas e entradas, firmes entradas tão somente, medidas e calculadas por uma parte de meu cérebro que me avisa quando meter, quando enfiar, quando estocar, quando gemer, quando xingar, e agora ouço mais ruídos, estranhos, primitivos e comoventes, gemidos múltiplos de parte a parte. Mais uma enfiada brutal, mais uma resposta gutural, jogo que nos agrada, perpassa a minha mente o quanto prescindimos dessa fisiologia barata, pois nesse momento estamos ambos fora de nossos corpos, olhando para nós mesmos, metafoda circunstante, gozamos enquanto fodemos, enquanto eu o enrabo, e gozamos também imaginistas, adeptos da visualidade, pensamos apenas em nós, nada mais egocênctrica que uma foda, nada mais ensimesmada que uma inversão, de lado a lado a invenção, prevelece desde o início apenas a imaginação, deliciosa inexistência tornada real por um trabalho mental, estou lá e não cá você não está aqui, mas ali, estamos, ambos, inversora e invertido, no território de nosso espírito, no vazio de nossas almas, no espaço que não usamos em nosso cotidiano medíocre, estamos aonde arbitramos, aonde dizemos bem claro que dominamos, sobretudo a nós mesmos, aonde dizemos à natureza que nós a fazemos, aonde proclamamos que a divindade existe em nossa vontade, e as leis e a ordem subsistem apenas quando assim as desejamos, e nesse momento preciso, rasgo todas elas, lixo extraordinário mais poluente que todos os demais, que tolhe e impede nosso prazer, grito isso, profano tudo e todos, proclamo a mim como Rainha e dou a estocada final, mortal e certeira, ouço o outro gritar enquanto goza, sem punheta, ainda assim, seguro seu pau pulsante, sinto-o, espasmódico, ejacular, esporrar, lançar para fora em jatos e eflúvios os prazeres líquidos que se escondem nas mentes sombrias e segredantes.
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